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domingo, 16 de agosto de 2009

Acordes na Cabeça

Apesar de já termos grandes avanços nos estudos a respeito de como pessoas ditas normais e pacientes com alguma lesão cerebral percebem a música, quais as partes do cérebro envolvidas no ‘ouvir’, ainda estamos bem longe de certezas absolutas. Abaixo, transcrevo parte do artigo “Acordes na Cabeça” publicado na Revista Mente e Cérebro – Edição Especial: Mente, Cérebro e Arte (Scientific American) – www.mentecerebro.com.br.



A música pode ser percebida como som, movimento ou símbolo. O processamento de cada um desses estímulos é feito em regiões diferentes do cérebro.

POR ECKART O. ALTENMÜLLER - Dirige o Instituto de Fisiologia da Música e da Medicina da Arte na Escola Profissional de Música e Teatro em Hannover, Alemanha.

Tradução: Marcus Vinicius Marinho


É noite, depois de um longo dia no trabalho. Ouço meu CD favorito: o Concerto para Piano nº2 de Brahms. O solo de trompa flui para o suave crescendo de um acorde de piano. Uma onda de lembranças me invade: uma floresta, poemas e o dia em que, aos 16 anos, descobri o concerto. A conclusão de um movimento me tira o fôlego. O pianista aumenta o ritmo e o volume até esgotar sua energia. Sinto um arrepio.

Todos nós já sentimos esse tipo de emoção com a música. Quando ela causa esses “orgasmos de pele”, os mecanismos de auto-recompensa do sistema límbico (o núcleo emocional do cérebro) estão ativos, como quando alguém fica excitado, come ou consome cocaína. É perfeitamente possível que esse sistema tenha levado os homens primitivos à música. Há mais de 35 mil anos já existiam instrumentos de percussão, flautas e harpas. A música, assim como a linguagem, fez parte de todas as culturas do planeta.

Alguns pesquisadores acreditam que a música possua uma vantagem evolutiva: ela ajuda na organização da vida comunitária e no estabelecimento de relações. Pense nas canções de ninar, nas folclóricas e nas marchas militares, mas muitas dúvidas persistem. O que acontece no cérebro quando ouvimos música? Há circuitos neurais especiais dedicados à sua criação ou processamento? Por que apreciar melodias é quase universal? O estudo da música como função cerebral é relativamente novo, mas algumas respostas começam a surgir.

É útil lembrar como o som chega ao cérebro. Depois do registro no ouvido, o nervo auditivo transmite os dados para o tronco cerebral. Lá a informação passa por pelo menos quatro “entrepostos”, que filtram os sinais, reconhecem padrões e ajudam a calcular diferenças entre os ouvidos, para determinar a origem espacial.

No primeiro, o núcleo coclear, as células nervosas na zona ventral (à frente) reagem mais aos sons individuais e passam os sinais adiante sem muitas modificações; a área dorsal (mais atrás) processa padrões acústicos, como mudanças de frequência. Depois, o tálamo direciona a informação para o córtex ou a suprime. Essa função de “porteiro” nos permite, por exemplo, prestar atenção a um só instrumento numa orquestra. O caminho do nervo auditivo termina no córtex auditivo primário, ou giro de Heschl, no alto do lobo temporal. O córtex auditivo se divide nos dois lados do cérebro.

Aqui a coisa complica. A observação de pacientes com danos cerebrais feita nas últimas décadas deu resultados frustrantemente variáveis e contraditórios. (...) Em parte isso decorre da própria complexidade da música. Além disso, os vários aspectos da música passam por regiões cerebrais diferentes, que às vezes se sobrepõem. Por último, as diferenças entre os indivíduos atrapalham a interpretação.

Apesar das lacunas, pesquisadores estão compreendendo melhor onde o cérebro “ouve” música. Sabemos que ambos os hemisférios estão envolvidos, embora de forma assimétrica. (...)


Onde o cérebro ouve?


HEMISFÉRIO ESQUERDO: RITMO

A música é processada em várias áreas do cérebro, que mudam de acordo com o foco do ouvinte e sua experiência. Quando o cérebro de um músico amador processa relações rítmicas simples em uma melodia, como a variação na duração de certos sons, ele utiliza as áreas pré-motoras, ou preparadoras de movimento, assim como seções do lobo parietal no hemisfério esquerdo. Se as relações temporais entre os sons são mais complexas, as áreas pré-motoras e do lobo frontal do hemisfério direito ficam ativas. Em ambos os casos, o cerebelo (comumente relacionado aos movimentos) também participa. Por outro lado, músicos que estejam fazendo distinções entre ritmos ou métrica empregam predominantemente partes dos lobos frontal e temporal no hemisfério direito. Relações rítmicas apresentam um panorama similar: leigos musicais processam do lado esquerdo, enquanto músicos fazem o mesmo do lado direito.


HEMISFÉRIO DIREITO: TOM E MELODIA

Quando um leigo em música compara tons diferentes, a convolução dos lobos direito superior temporal e direito posterior frontal é ativada. Os sons são armazenados para uso futuro e para comparação na memória auditiva de trabalho, na região temporal. As partes média e inferior do lobo temporal também ficam ativas quando processam estruturas musicais mais complexas ou estruturas a serem guardadas na memória por um tempo maior. Por outro lado, músicos profissionais mostram atividade maior no hemisfério esquerdo quando estão diferenciando tons ou percebendo acordes. Quando o ouvinte está concentrado na melodia como um todo em vez de em sons ou acordes isolados, seções diferentes do cérebro ficam ativas: além dos córtices auditivos primário e secundário, as áreas associativas no lobo temporal superior estão em ação. Nesse caso, a atividade se concentra novamente no hemisfério direito.

A música pode despertar emoções fortes que os pesquisadores começam a pesquisar com técnicas de imagem. (...)

O que, então, podemos concluir sobre como nosso cérebro processa a música? Se ela é absorvida de formas diferentes por cada um, é difícil encontrar regras universais. O mundo possui hoje cerca de 6 bilhões de “centros musicais” únicos – um para cada cérebro humano. As estruturas que processam a música em cada um deles se adaptam rapidamente a novas circunstâncias. Estamos só começando a identificar e investigar essa dinâmica neuronal.


Indicações de leituras sobre o assunto (citadas no final do artigo):

- How many music centers are in the brain? Eckart O. Altenmüller. Annals of the New York Academy of Sciences, vol.930, 2001.

- The cognitive neuroscience of music. Organizado por Isabelle Peretz e Robert Zatorre. Oxford University Press, 2003.

Se reproduzir, citar origem, fonte e autor(a).


sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Ouvir


Escutar: prestar atenção, estar alerta, prestar o ouvido a; dar ouvidos a, dar atenção a; tornar-se atento para ouvir; pôr-se a ouvir.

Ouvir: perceber pelo ouvido; sentir (alguma coisa) pelo ouvido; prestar atenção; ser dócil a; obedecer a; atender; escutar as razões, os conselhos de; inquirir.

Então, escutar é prestar atenção... estar alerta aos sons, à comunicação que vem através dos sons e quando ouvimos de verdade, percebemos, sentimos, atendemos, transformamos algo através dos estímulos sonoros que escutamos.


“A escuta se coloca aqui como uma capacidade específica que se utiliza preferencialmente do ouvido a fim de integrar, graças a ele, mensagens sonoras, entre as quais inscreve-se a música.

... é uma capacidade de alto nível a qual o homem está destinado. Dela depende o seu futuro. Ela contribui para a organização de sua estrutura neuronal, que será condicionada, em última instância, pela própria escuta. De certa forma ela induz o homem a tornar-se o que ele deve ser: um ser em ressonância com tudo o que vive e, desta forma, com tudo o que vibra.

O homem evoluído caminha em relação à escuta. Não se trata de uma visão puramente metafísica, mas de uma realidade concreta que dá ao ouvido sua razão de ser e à música o sentido de sua existência. (...)

O homem torna-se escuta total. Inúmeros fatores o demonstram, mesmo que não nos preocupemos em situar a escuta em seu verdadeiro nível e que não saibamos tomá-la como o fio condutor da organização que induz a estrutura humana. É dela que depende a dinâmica neurofisiopsicológica.

A escuta leva o homem a expandir-se numa dimensão mais vasta. Ela lhe revela sua inserção em um universo que ultrapassa infinitamente seus limites anatômicos. Liberto de seus limites físicos graças a essa antena auditiva, ele se engaja num processo de total comunicação, em comunhão com seus pares. Através de sua escuta interior, o homem chega a se diluir no espaço sideral e consegue perceber e escutar, concomitantemente, sua própria interioridade material. Ele pode assim, até dialogar com suas estruturas orgânicas. (...)

O que é o ouvido? O que é o homem-ouvido? O ouvido é um conjunto anatômico aparentemente complexo e, no entanto, fácil de abordar desde que se proceda ao estudo de sua evolução. (...) Ele é o que é e, ainda melhor, ele se tornou o que é para responder, achamos nós, as necessidades bastante precisas. À idéia dos povos antigos, que pretendiam que o som construía o ouvido, eu acrescentaria que foi para se colocar à escuta da criação que o homem foi concebido como uma antena. (...)

...o homem é, no entanto, um ouvido, e eu ousaria acrescentar que é um ouvido em vias a se entregar à escuta. A dimensão humana só encontra sua plenitude no desabrochar de sua adesão absoluta a esta entrega.

Porque é realmente uma entrega o modo como o homem se abandona, com a percepção aberta, ao ambiente que o convoca. O ambiente não cessa de revelar ao homem sua pertinência a este todo vibrante que se manifesta dentro e fora de cada ser humano, passando de um para outro, unindo num jogo permanente o finito da natureza humana e o infinito imóvel, limite de nossa concepção de mundo. (...)”

(Música e Saúde / organização de Even Ruud, Summus Editorial)

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